Academia quer formar mão de obra e difundir informações
Não há como ignorar o avanço da inteligência artificial (IA) ao redor do mundo. Estima-se que esse mercado cresça a um ritmo de 46,2% ao ano, com expectativa de chegar a US$ 52 bilhões em 2021, conforme previsão da consultoria IDC. No ano passado, os gastos mundiais com IA bateram US$ 24 bilhões. A cifra reflete um potencial a ser explorado, mas também exige profissionais qualificados. O Brasil tem sofrido com a escassez de talentos na área de tecnologia, e em IA não é diferente. De olho nisso, universidades, empresas e entidades de fomento à pesquisa se unem para capacitar mão de obra e, principalmente, formar um elo mais próximo entre a academia e o mercado de trabalho.
Em outubro deste ano, foi anunciado o Centro de Pesquisa em Engenharia em Inteligência Artificial, projeto capitaneado pela Universidade de São Paulo (USP), IBM e Fundação do Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Com início das atividades previsto para o começo de 2020, o centro terá investimento anual de cerca de US$ 20 milhões por um período de até dez anos. A IBM e a Fapesp destinarão, cada uma, até US$ 500 mil por ano para o projeto. Já a USP vai investir anualmente até US$ 1 milhão, considerando estrutura física, laboratórios, professores, técnicos e administradores.
“Nos EUA, na Europa e no Japão, já existem vários centros de inteligência artificial. O centro surgiu para que o país avance e continue investindo para que não sejamos somente consumidores de IA, mas também produtores. Temos todas as condições”, explica o professor Fernando Santos Osório, coordenador de difusão e comunicação do núcleo de São Carlos do Centro de IA e professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), da USP, em São Carlos.
O projeto terá como sede o Centro de Pesquisa e Inovação InovaUSP, na Cidade Universitária, em São Paulo. Haverá ainda uma estrutura física em São Carlos, explica Osório. A iniciativa reúne mais de 60 pesquisadores da USP e outras instituições, como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), de Piracicaba, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Centro universitário FEI e Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). “Tivemos uma apresentação recente para a comunidade e estamos começando a fazer reuniões de alinhamento”, diz o professor.
Entre as áreas prioritárias do centro estão soluções e serviços em língua portuguesa, como interpretação de texto e reconhecimento de voz. Significa, por exemplo, estudar e aplicar técnicas avançadas de machine learning para melhorar o aprendizado da língua. A ideia é também desenvolver pesquisas sobre aplicações de IA no agronegócio, como agricultura de precisão e integração de dados no campo, com o objetivo de melhorar a produtividade e reduzir o consumo de defensivos agrícolas. “Em São Carlos, temos uma parceria importante com a Embrapa”, conta Osório. Os demais campos de estudo incluem saúde, com ênfase na prevenção de acidente vascular cerebral (AVC), e recursos naturais, com pesquisas sobre exploração de óleo e gás.
O projeto prevê também formação de mão de obra por meio de cursos e workshops, assim como a divulgação e difusão de informações sobre IA, por meio de publicações em redes sociais e vídeos, além de ações para atingir desde alunos de ensino médio até idosos. “Nós precisamos de gente que conheça e não tenha medo de inteligência artificial. Hoje tem muita ficção científica. É necessário que haja um esclarecimento à população”, diz Osório.
A aproximação entre a academia e o setor privado é o foco do Advanced Institute for Artificial Intelligence, criado este ano por pesquisadores de 15 entidades, incluindo universidades e institutos de pesquisa, entre elas Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), USP, Unesp, Unicamp e FEI.
Os pesquisadores atuarão de acordo com as demandas das empresas, explica o cofundador do projeto, Sérgio F. Novaes, físico e professor titular da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). “Temos hoje nas universidades pesquisas de altíssimo nível em IA, e tudo que está em volta como machine learning, reconhecimento facial e de voz. Por outro lado, existe uma demanda enorme do setor
privado”, diz.
Segundo ele, executivos de C-level estão aturdidos com a mudança rápida nas tecnologias e, ao mesmo tempo, têm dificuldade para encontrar profissionais qualificados no mercado. A falta de capacitação atinge, inclusive, a chefia das organizações. “Os conceitos básicos de IA, machine learning e deep learning já são dados academicamente. Então, do que o setor privado está precisando?”
Há cerca de seis meses, o instituto iniciou uma parceria com a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) para oferecer às empresas cursos de aplicações em processamento de imagens, projetos aplicados de machine learning, redes neurais avançadas, aprendizagem estatística e análise exploratória de dados. Outro projeto – previsto para começar em janeiro de 2020 – é em conjunto com a Serasa Experian para análise de fraudes no sistema elétrico por meio de imagens de satélite.
Sem sede física, o projeto funcionará em espaços de coworking de empresas e universidades que apoiarem a iniciativa, conta Novaes. O modelo de atuação bebe da fonte de iniciativas pioneiras em outros países, como o Canadá. O país mantém, desde 1982, o Canadian Institute for Advanced Research (Cifar), uma rede de mais de 400 pesquisadores de 22 países. O professor cita que o Canadá é um dos países mais avançados em política de Estado para IA. Lembra, ainda, que três pesquisadores canadenses (Geoffrey Hinton, Yann LeCun e Joshua Bengio) ganharam este ano o Prêmio Turing, uma espécie de Nobel da computação, pelo trabalho com redes neurais. “O Canadá tem pelo menos quatro hubs nessa área, em coworkings. São 650 startups com soluções de IA”, afirma Novaes.
Outra iniciativa na área é o Centro de Inovação em Inteligência Artificial, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), projeto que nasceu há cerca de um ano a partir de um grupo de professores que estudam IA no programa de pós-graduação em computação da instituição. O foco é inovação, com difusão de conhecimento científico em IA para o setor privado.
“As empresas que já estão investindo em soluções de IA vão se beneficiar desse crescimento, enquanto as que estão atrasadas vão ter uma queda na competividade”, avalia Ricardo Matsumura Araujo, coordenador do projeto e professor do Centro de Desenvolvimento Tecnológico da UFPel. O objetivo é informar a sociedade a respeito dos limites de uso da tecnologia, como replicar preconceitos humanos nas máquinas.
Uma das primeiras ações foi começar a oferecer, a partir do segundo semestre de 2019, uma disciplina optativa de IA para alunos de diversos cursos, não apenas de tecnologia. “Estamos submetendo o projeto ao conselho superior de ensino, pesquisa e extensão”, explica Araujo. Entre os pilares de atuação do centro estão inovação, pesquisa e desenvolvimento, capacitação e divulgação. “Temos planos de oferecer cursos de curta e média duração, além de palestras e workshops sobre questões éticas para a sociedade.”
16 de dezembro de 2019