Com a perspectiva de largada da discussão legislativa de regulamentação da reforma tributária, o setor de telecomunicações já tem definidos seus principais pontos de preocupação no debate, apontam operadoras e especialistas que atuam na cadeia. O texto principal com o regramento da reforma deve chegar ao Congresso nesta quarta-feira, 24.
Entre os aspectos observados por telecom estão a complexidade da fase de transição tributária; regras para tributação no destino; possíveis alíquotas menores para serviços digitais; a dinâmica dos créditos que devem garantir a não-cumulatividade do novo IVA dual (IBS/CBS); o pleito por cashback para usuários; e uma garantia de que, considerando os fundos setoriais de telecom, a carga do segmento não aumente.
Os pontos de atenção foram discutidos nesta terça-feira, 23, durante evento promovido em São Paulo pelo escritório Cescon Barrieu. Presidente executivo da Conexis, que reúne as principais operadoras do País, Marcos Ferrari lembrou que a carga tributária efetiva do setor é de 29,3% – o que levaria a pleito por uma alíquota de CBS e IBS “a menor possível”.
Neste sentido, Ferrari aproveitou para trazer de volta à mesa a preocupação da cadeia com os fundos setoriais. “Vamos ter a alíquota que todos têm, mais quatro pontos percentuais de fundos setoriais. Então nosso pleito é que isso seja colocado ‘por dentro’, incorporado dentro da CBS”, defendeu o executivo da Conexis.
Mas esta não é nem de longe a única preocupação do setor, que prevê uma complexa fase de transição pela frente. “Haverá um avanço muito grande de simplificação, mas diria que hoje a situação é ruim e que na transição vai ficar pior. Depois dela, teremos um cenário muito melhor”, resumiu o senior tax manager da Telefônica (Vivo), Maurício Lima.
Tax Services Director da TIM, Gustavo Alves também mostrou preocupação com a implementação dos principais pontos, sob o risco de se criar um “inferno” para a cadeia de telecom. Uma das questões envolve a apuração dos créditos tributários, fundamentais para garantir a não-cumulatividade do novo IVA dual.
A cadeia de telecom defende um mecanismo que garanta creditamento integral e imediato na aquisição de bens, como resumiu a Conexis. “Há preocupações para o comprador”, explicou o sócio tributário do Cescon Barrieu, Hugo Leal. “Não sabemos qual será a velocidade do ressarcimento, e condicionar crédito ao efetivo pagamento do tributo pelo fornecedor gera preocupação”.
Na mesma linha, Gustavo Alves, da TIM, argumenta que será tarefa hercúlea para as operadoras controlar créditos junto a fornecedores que, no caso da empresa, ultrapassam a casa dos 20 mil parceiros. O próprio efeito da reforma sobre os negócios desses stakeholders precisa ser levado em conta, defendeu o executivo da TIM. “Não podemos considerar apenas as operadoras”, afirmou.
Outra preocupação com os créditos – explicada ao TELETIME pelo sócio tributário do Cescon Barrieu, Maurício Barros – é a situação dos montantes atuais relacionados ao ICMS e ao PIS/Cofins, e que precisam ser “desovados” pelas empresas antes do vencimento do mesmos e da substituição gradual pelo regime baseado no IBS.
Comitê e tributação no destino
Para a Coordenadora Executiva do NEF/Direito da FGV-SP, Talita Félix, a insuficiência do sistema tributário que vai apurar os créditos do novo IVA é um risco que pode surgir no processo. Mas ela aponta a relevância que terá o Comitê Gestor do IBS na dinâmica. A expectativa das empresas é que o órgão possa atuar como uma espécie de banco para compensações.
“Ele será um grande protagonista. Se o Comitê for bem, a reforma vai bem, mas se for mal, ela vai mal”, afirmou Félix. Em paralelo, o Comitê Gestor também será essencial em outro aspecto crucial para as teles – a tributação no destino. “Nossa característica é bem pulverizada, então precisamos saber onde vai realmente incidir o tributo”, resumiu Ferrari, da Conexis.
“A disputa era entre estados, e agora estamos colocando municípios na jogada”, completou Maurício Lima, da Telefônica. “Teremos que pagar o IBS, mas para qual estado ou município que vai, deve ser decisão do Comitê Gestor, e não do contribuinte”, defende. Do contrário, as empresas precisariam lidar com sistemas para gerenciamento de cinco mil alíquotas distintas entre as cidades, criando um pesadelo do ponto de vista dos sistemas de TI.
Influência
Existem ainda pontos que devem ser debatidos junto aos parlamentares, como possibilidade de alíquota diferenciada para “bens e serviços relacionados a soberania e segurança nacional, segurança da informação e segurança cibernética”, como observou Maurício Barros, do Cescon. A Conexis entende que vários serviços prestados pelas operadoras podem ser enquadrados neste regime, que terá redução de 60% nas alíquotas.
Um outro ponto que poderia ser conquistado através de interlocução com o meio político é a inclusão do cashback para usuários de serviços de telecom, em regime onde ocorreria devolução de impostos pagos ao consumidor. Esse mecanismo já será obrigatório nas operações de fornecimento de energia elétrica e de gás liquefeito de petróleo ao consumidor de baixa renda.
Para Talita Félix, da FGV-SP, a ideia do cashback em telecom também teria apelo social, sobretudo considerando as dificuldades de conectividade evidenciadas pela pandemia. Já Hugo Leal, do Cescon Barrieu, vê a possibilidade como indutora de maior contratação de serviços, ao resultar em menores preços de pacotes.
Já um ponto onde a cadeia enxerga vitória é a exclusão da telecom da lista de setores a quem cabe a cobrança de imposto seletivo, voltado para operações que impactem o meio ambiente ou a saúde. Ainda assim, Félix ainda recomenda atenção com o ponto, que poderia atingir outros elos da cadeia.
Mudanças
Há também uma necessidade de maior representatividade do setor de telecom nos debates, defende o head of tax da V.tal, Mário Júlio Monegatti. “O setor deve atuar de maneira mais incisiva nos projetos de lei [da regulamentação], isto considerando a relevância arrecadatória e essencialidade de nossos produtos”, avaliou o executivo, dando como exemplo a atuação do setor automobilístico.
Já para a sócia de telecomunicações do Cescon Barrieu, Thays Gentil, as mudanças da reforma devem propiciar uma “reacomodação” na cadeia para além do campo dos tributos. Com o destravamento da pauta (e com avanço gradual também em discussões regulatórias), modelos de negócios inovadores podem surgir, bem como novos arranjos entre operadoras e também parceiras.
Como exemplos, Gentil cita o histórico debate da distinção entre serviços de valor adicionado (SVAs) e de telecom – algo que depois da reforma não fará mais sentido, afirma ela – e a competição das operadoras com serviços digitais, que passaria a operar em bases menos assimétricas após efeitos da reforma tributária.
- Fonte: Teletime.com.br
- Imagem: Freepik
- 23 de abril de 2024