Proibido por acordos na Organização Mundial do Comércio de usar impostos indiretos e exigir expressamente conteúdo local, o Brasil costura um novo sistema para incentivar o desenvolvimento e a fabricação de componentes eletrônicos no país. A fórmula à mesa promete créditos tributários no lugar do vedado IPI, a partir de um método de pontuação que é uma homenagem à ginástica em busca do menor impacto ao parque industrial instalado.
“Temos que evitar situações de judicialização. Queremos evitar impactos ao setor produtivo que já está na Lei de Informática. Temos que sair para uma lógica que preserve a base construída. Somos um dos poucos países no hemisfério sul com essa densidade tecnológica. Esse domínio que a gente conquistou com esforço precisa ser preservado por uma questão de soberania tecnológica”, afirma o secretário de inovação do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Paulo Alvim.
A primeira parte da nova metodologia veio na revisão dos processos produtivos básicos de celulares e notebooks. Eles são os primeiros porque sobre eles recai a condenação pelo uso de subsídios proibidos, para os quais a OMC pede resposta “sem demora”. Como explica o chefe da divisão de contenciosos do Itamaraty, Marcus Vinícius Ramalho, “o problema é haver um comando para que um determinado percentual dos produtos finais incorpore componentes produzidos de acordo com outro PPB. Não pelo PPB em si, mas por vincular o produtor do bem final ao uso de um bem doméstico”.
Para um celular ser considerado um produto industrializado no país para efeitos da Lei 8.248/91 ele precisa incluir entre 50% a 80% de carregadores, baterias, fios e memórias também industrializados no país. Os novos PPBs eliminam a exigência. No lugar, é criado um sistema que dá pontos caso o fabricante incorpore etapas produtivas no Brasil. Com diferentes pesos, as 17 ou 18 etapas somam até 116 pontos. Para celulares, bastam 35 pontos para cumprir o PPB, 39 para os notebooks.
Na calculadora do governo, essa linha de corte preserva o grosso da produção atual de componentes. É uma fórmula construída com a premissa de trocar seis por meia dúzia. Se o investimento em P&D ficar nos 4% do faturamento incentivado, o impacto fiscal será equivalente aos 12% atualmente cortados do IPI via PPB. Só que como esse imposto indireto cai nas vedações do GATT, o acordo geral de tarifas e comércio, o plano trabalhado nas reuniões semanais entre MCTIC e Economia é usar compensações via créditos tributários.
Essa complexa costura precisa se materializar na aprovação de mudanças na Lei de Informática, a 8.248/91. Japão e União Europeia cobram ajustes pra ontem, reclamando os 90 dias da condenação inicial. O Brasil, que já usa a revisão dos PPBs ‘nested’ como resposta “sem demora” à questão dos subsídios, quer pelo menos 18 meses para o que a OMC chamou de “período razoável” para o tratamento nacional do GATT. Em ambos os casos, a contar da 11 de janeiro último, data oficial da decisão.
“Estamos conversando com União Europeia e Japão para tentar chegar num prazo de comum acordo. A negociação não está fácil. Se não chegarmos a um acordo, eles podem pedir uma arbitragem sobre isso”, diz o chefe de contencioso do Itamaraty. O andar das tratativas sugere que o caminho será esse mesmo. “Prazo tem vantagem e desvantagem. Se não tem um prazo definido, o outro lado pode entender que é aquele que ele entende razoável”, completa Ramalho.
Em projeções do governo, as mudanças na Lei de Informática precisam ser aprovadas até meados de 2020. Não parece fácil. Especialmente diante da reação negativa da Zona Franca de Manaus à revisão para celulares e notebooks. Ao disparar que o fim dos PPBs de PPBs arriscam 5 mil empregos no polo industrial, mobilizou a sensível força política que reúne no Congresso Nacional. A leitura é de que regras distintas para o polo e o resto do país vão inviabilizar o segmento na ZFM. Mas como a decisão da OMC não se aplica à Zona Franca, quem está no polo poderá manter a redução de IPI.
O governo vai lembrar aos parlamentares que existe uma ameaça concreta de retaliações comerciais, não em TICs, mas em agrícolas. “Tem uma decisão sobre o que precisamos ajustar e que podem implicar em retaliações. E retaliações não necessariamente sobre o setor de TICs, mas que podem afetar setores competitivos da economia brasileira, à escolha de Japão e da União Europeia. Seria muito nocivo. Não adianta ser rebelde. Precisamos de uma visão de país”, afirma o secretário Paulo Alvim.
Fonte: Convergência Digital
24 de abril de 2019