O Projeto de Lei (PLS 494/2017- Complementar), do senador Alvaro Dias (Pode-PR), entregue na primeira quinzena de janeiro ao Senado, deve corrigir uma questão tributária importante e dar um novo fôlego para o investimento-anjo no Brasil.
O documento pede a isenção do Imposto de Renda (IR), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da contribuição para PIS/Pasep e da Cofins dos rendimentos decorrentes da remuneração ligada à participação e ao direito de resgate do aporte de capital feito por investidores-anjo. A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) vai analisar o caso.
“Estamos otimistas que esse projeto tenha uma tramitação rápida. Tivemos uma reunião com Henrique Meirelles (ministro da Fazenda), e ele se sensibilizou para esse tema”, comenta o presidente da Anjos do Brasil, Cassio Spina.
No investimento-anjo, a pessoa física ou jurídica (desde que use recursos próprios) investe em negócios com alto potencial de retorno e, além de aportar recursos financeiros em projetos com pouco acesso aos instrumentos usuais de alavancagem, agrega valores relevantes para o estágio inicial das empresas, como conhecimento e acesso à rede de relacionamentos – o chamado smart-money.
O total de aportes dessa modalidade de investimento no Brasil gira em torno de R$ 850 milhões por ano – nos Estados Unidos, esse valor é superior a US$ 22 bilhões. “Esses números mostram como estamos defasados. É preciso mudar esse cenário. O investimento-anjo estimula muito a economia de inovação, que é fundamental para o País”, alerta.
Além dos EUA, outros países estão à frente do Brasil na sua legislação de incentivo a essa prática, como França, Argentina e Reino Unido – esse último não só isenta os dividendos oriundos dos investimentos-anjo, como ainda permite ao investidor abater 50% do seu próprio IR.
O primeiro passo importante para estimular a cultura do investimento-anjo no Brasil ocorreu em 2016. Na época, a Lei Complementar nº 155/2016 criava juridicamente a figura do investimento-anjo.
A medida criou algumas proteções importantes para destravar essa prática no Brasil, como definir que o investidor não seria visto como sócio da empresa. Assim, não poderia ser acionado na Justiça para pagar uma dívida trabalhista ou fiscal da startup.
A criação desta legislação tirou a barreira para esse tipo de investimento, mas faltou uma medida para estimular essa prática. Isso porque, na época, o projeto de lei definiu que toda tributação dos rendimentos do contrato de participação destes investidores nas startups ficariam sujeitos à regulamentação pela Receita Federal.
Com essa brecha, em julho de 2017, veio a decisão da instituição de que os ganhos decorrentes desse contrato de participação, ou seja, os lucros, teriam tributação idêntica a de um investimento em renda fixa no momento que fosse resgatado.
“Foi um balde de água fria para os investidores e para todo esse ambiente de inovação do Brasil”, relembra a advogada e professora de Direito Societário e M&A na pós-graduação da Escola de Direito da FGV-SP, Evy Marques. O Gramado Summit, evento que aconteceu em agosto de 2017 na cidade gaúcha, já havia chamado atenção para esse tema.
Na época, foi feito um manifesto, assinado por 50 investidores-anjo de todas as regiões do Brasil, que pode trazer benefícios para o ecossistema de startups. O documento, inclusive, foi citado recentemente pelo senador Alvaro Dias.
A volta do tema ao Senado é um alento, e Evy acredita que, se o PLS 494/2017 for aprovado, pode levar a uma nova onda de pessoas interessadas em investir nas startups.
“Se você tem dinheiro para investir, vai olhar a melhor forma de fazer isso, e o tributo é algo importante nessa decisão. Até porque esse tipo de investimento é de extremo risco.”
Ela mesma é uma entusiasta de negócios e investimento em negócios de impacto, e também é investidora-anjo. “Tem mais gente interessada, mas tem que transformar isso em coisa palatável”, sugere.
Aporte em jovens empresas é de alto risco
Fazer investimento em startup é uma decisão de risco e longo prazo. Por isso mesmo, os empresários e investidores da economia tradicional precisam de um incentivo para trazer colocar esse dinheiro no mundo da inovação e das jovens empresas, analisa o sócio da Bossa Nova Investimentos (BNI), João Kepler.
“Esse projeto (do senador Alvaro Dias) é uma correção de rumo necessária. Muitos outros países oferecem isenção para quem aplica o seu dinheiro nestas alternativas de desenvolvimento econômico, que é o caso das startups”, diz.
Kepler foi eleito, pelo segundo ano consecutivo, o principal investidor-anjo do Brasil pela Associação Brasileira de Startups (ABStartups). Ele atua nessa modalidade desde 2008, onde, até 2015, colocou recursos em 40 jovens empresas.
Foi então que passou o seu portfólio para pessoa jurídica, criando a BNI. Até hoje, já foram 170 empresas investidas, totalizando mais de R$ 40 milhões.
“Apoiamos empreendedores que, no futuro, poderão ter grandes negócios. Nossa meta é chegar a mil startups investidas até 2020”, projeta.
O Investimento-anjo
O investimento-anjo envolve os recursos aportados por pessoas físicas (que podem, eventualmente, ter uma pessoa jurídica como veículo de investimento, mas desde que use recursos próprios) em negócios com alto potencial de retorno, que terão um grande impacto positivo para a sociedade por meio da geração de oportunidades de trabalho e de renda.
O termo anjo é utilizado pelo fato de não ser um investidor exclusivamente financeiro, mas por orientar o jovem empreendedor a aumentar suas chances de sucesso. O investimento total por empresa é, em média, entre R$ 200 mil e R$ 500 mil, podendo chegar até R$ 1 milhão.
O investidor-anjo é, normalmente, um empresário, empreendedor e executivo que já trilhou uma carreira de sucesso, acumulando recursos suficientes para alocar uma parte (normalmente entre 5% e 10% do seu patrimônio) para investir em novas empresas.
O investidor-anjo, normalmente, não é detentor de grandes fortunas, pois o investimento-anjo para estes seria muito pequeno para ser administrado.
Recursos foram decisivos para o sucesso da Silo Verde
Por mais inovador e disruptivo que um negócio capitaneado por uma empresa nascente possa ser, dificilmente conseguirá entrar em uma instituição financeira comum e sair de lá como qualquer espécie de recurso. Esse cenário traz uma certeza, afirma o sócio-fundador da Silo Verde, Manolo Machado: a evolução do ecossistema de inovação do Brasil depende de avanços na legislação e no modelo mental dos investidores.
“Só assim será possível tornar o nosso modelo tão produtivo quanto os mais consagrados do mundo, como o do Vale do Silício (EUA)”, destaca. Um dos aspectos disso é, justamente, criar condições para aumentar o alcance do investimento-anjo no Brasil.
A Silo Verde está instalada no Tecnosinos, em São Leopoldo, e produz silos sustentáveis para armazenar grãos e rações a partir de matérias-primas recicláveis, como as garrafas PET. Há um ano, a startup recebeu R$ 1 milhão de recursos nessa modalidade, o que ajudou a consolidar a operação e melhorar o posicionamento estrutural e comercial.
“O investimento-anjo é o que tem maior potencial de transformação empresarial, impacto e mudança que temos, pois pode levar à geração de inúmeros novos negócios, tecnologias, mercados e diferenciais estratégicos”, destaca.
Machado comenta que, nesses casos, é muito importante a pessoa por trás do dinheiro. “O investidor tem um papel determinante para o sucesso e deve ser capaz de aportar suporte nos mais diversos campos necessários ao desenvolvimento da empresa”, analisa. O ano de 2018 deve ser importante para a operação.
Fonte: Jornal do Comércio
29 de janeiro de 2018