Investidores recuam e startups demitem

O ecossistema de inovação brasileiro sofreu uma retração nos últimos cinco meses. O montante investido foi de US$ 2,6 bilhões em 282 rodadas – em 2021, nessa época do ano, o mercado somava US$ 3,2 bilhões em 349 deals. Os números fazem parte do relatório Inside Venture Capital, produzido pela plataforma de inovação Distrito, e ilustram bem o que está acontecendo no mercado global, e, claro, brasileiro.

O cenário econômico e político global, de guerra, inflação e alta de juros, está fazendo os investidores colocarem o pé no freio. Grandes players globais de tecnologia, como Google, Apple, Microsoft e tantos outros, perderam valor de mercado. E as startups, claro, também sentem esse efeito. Casos de demissões tem sido constantes nas últimas semanas. O mais recente deles foi da casa de análise Empiricus, que na terça-feira anunciou que demitiu 12% dos seus colaboradores.

Reflexo do cenário macroeconômico, acomodação natural desse mercado – que vinha recebendo investimentos e contratando em alta velocidade – ou quem sabe resultado desse modelo de gestão das startups?

O CEO do Distrito, Gustavo Gierun, explica que as startups do País estão sentindo rapidamente os efeitos do desafiador cenário macroeconômico. “As empresas de tecnologia listadas em bolsa sofreram uma correção de preço brutal nos últimos 60 dias, o que impactou diretamente o apetite dos investidores no mercado privado”, analisa.

Para os investidores, o momento é de cuidado. Até pouco tempo, o efeito do cenário macroeconômico leva a um ajuste do mercado. Do ponto de vista de investimentos, a baixa taxa de juros, a grande liquidez do mercado e a aceleração da digitalização da sociedade fez com que os gestores buscassem aumentar a participação do portfólio em classes de ativos que pudessem oferecer um retorno potencial maior – no caso o venture capital.

Nos últimos meses, porém, o aumento da taxa de juros forçou os gestores a reequilibrarem seus portfólios buscando uma relação de risco e retorno melhor, explica o gestor da Distrito. “Com isso, parte da liquidez existente é direcionada para outros ativos criando uma possível escassez de capital para novos fundos e novas rodadas no mercado de tecnologia”, diz.

Isso significa que os empreendedores precisam ajustar a operação para não ser refém de novas captações. “Neste novo momento os empreendedores passam a não ter mais confiança se poderão acessar o mercado e, portanto, buscarão privilegiar uma operação sustentável em relação ao crescimento acelerado. Ajustar os times é parte natural desse processo”, ressalta.

Maturidade empresarial é essencial na atualidade

A América Latina, em especial o Brasil, tem a combinação perfeita para disrupção, com uma penetração digital crescente, um mercado gigante com uma população mal atendida e problemas grandes, complexos e sistêmicos em basicamente todas as áreas estruturais, como saúde, educação, indústria e varejo. Sem falar na qualificação dos empreendedores.

“Vemos fundadoras e fundadores cada vez bem preparados, muitos que vem inclusive de experiências prévias bem-sucedidas e estão na sua segunda ou terceira jornada”, analisa a diretora-geral da Endeavor Brasil, Camilla Junqueira. Além disso, as empresas de tecnologia estão desempenhando um papel cada vez mais importante na economia da América Latina, e o potencial de crescimento em comparação com outras regiões é gigantesco. “O valor de mercado das empresas de tecnologia brasileiras, como porcentagem do PIB, saiu de 2,8% em 2020, para 4,5% em 2021. Mesmo assim, ainda há muito espaço para crescer, se compararmos com mercados mais maduros”, diz. Nos EUA, esse mesmo dado saltou de 48,2% para 69,8% entre 2020 e 2021; e na China, de 25,4% para 30,2%.

“Enquanto houver problemas, haverá espaço para empreendedores, e haverá investidores dispostos a apostar neles”, ressalta Camilla. O CEO do Distrito, Gustavo Gierun, não acredita em uma ruptura no mercado. Depois de um ano com um volume espetacular de investimentos, a fase é de ajuste, por prazo indeterminado, decorrente das condições de mercado.

Segundo ele, o mercado de tecnologia no Brasil tem um potencial brutal, em qualquer setor ou indústria, e continuará crescendo por, pelo menos, uma década. Ciclos econômicos são parte da jornada. Quando existe uma restrição de capital, todos buscam eliminar ineficiência e favorecem o crescimento sustentável. A velocidade de leitura das condições do mercado e de adaptação podem fazer empresas se beneficiarem ou quebrarem. “Não acredito que exista uma bolha ou uma crise específica no mercado de tecnologia, mas sim um período de ajuste diante das condições macroeconômicas. Historicamente, grandes empresas de tecnologia foram criadas em ciclos de aperto econômico. O crivo será maior, mas bons empreendedores ainda terão muitas oportunidades.”

Empreendedor deve estar atento ao cenário macroeconômico

A diretora-geral da Endeavor Brasil, Camilla Junqueira, comenta que o empreendedor sempre deve estar atento ao cenário macroeconômico. “Isso vai permitir a tomada de decisões com muita consciência do contexto em que a empresa está inserida, e eventualmente fazer ajustes de rota pensando na sustentabilidade do negócio”.

Os últimos anos foram muito promissores para o ecossistema empreendedor brasileiro, com oferta abundante de capital e números recordes de investimentos em startups e scale-ups (negócios que crescem pelo menos 20% ao ano, por três anos consecutivos, em número de funcionários ou receita).

Com o aumento da taxa de juros, é natural que exista um movimento de desaceleração dos investimentos de risco. “O mercado está fazendo uma correção nos altos valuations que vimos nos últimos anos, para um patamar de médias históricas. Isso não significa que haverá menos capital, mas, sim uma busca por ativos de melhor qualidade, com unit economics mais sólidos”, diz.

O momento pede mais cautela das scale-ups para preservar o caixa, para que consigam se manter sustentáveis em um contexto em que o tempo entre rodadas de captação tende a aumentar. Por isso, é natural que neste momento algumas empresas tenham que fazer ajustes na sua estrutura de custos, inclusive folha, para preservar o caixa e buscar maior eficiência operacional.

Camilla alerta também para o fato de que o capital de risco é uma alavanca importante para o crescimento de scale-ups, mas não a única. “O tamanho do mercado, ou seja, do problema que a empresa está tentando resolver, também conta muito. Além, claro, a capacidade desses empreendedores em entregar soluções disruptivas para endereçar esses desafios. Nesse sentido, o momento segue sendo muito promissor”, ressalta.

 

  • Fonte: Jornal do Comércio
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  • 13 de junho de 2022