Gestão de dados dos pacientes nos hospitais de campanha preocupa

Os hospitais de campanha estão ajudando a ampliar a força de atendimento à Covid-19, mas a gestão das informações dos pacientes, especialmente nas localidades em que a tecnologia hospitalar ainda inexiste, preocupa.
 
E não é difícil entender o motivo desse alerta de especialistas. Se o “João” está ocupando um leito na enfermaria, e o acompanhamento da sua identidade é feita manualmente, quando ele for transferido para a UTI, é grande a chance de a próxima pessoa que ocupar o seu antigo leito se tornar o “João”, herdando as suas informações, inclusive sobre diagnóstico e medicações, o que seria um grande risco.
 
“Hospital de campanha não pode ser um hospital de guerra. Cada paciente tem que estar muito bem identificado para que receba o tratamento prescrito”, alerta a especialista em administração hospitalar Maria Luiza Malvezzi. 
 
Os hospitais de campanha foram criados para atender pacientes infectados pelo novo coronavírus em situação de baixa ou média complexidade. Eles têm portas fechadas, ou seja, os pacientes só chegam a eles transferidos de outras unidades. Ao dar entrada, o recomendado é que seja colocada em cada pessoa uma identificação, como uma pulseira com código de barras ou QR Code, que dê aos profissionais a certeza de que eles estão fazendo o tratamento correto para cada indivíduo.
 
É a partir desse primeiro cuidado que toda a jornada do paciente poderá ser acompanhada, como internação, transferência de leito, conexão com a farmácia para dispensar os remédios necessários e dosagens e horários de aplicações. Esse caminho segue até quando o paciente receber alta, inclusive com tudo sendo documentado, para o caso de ele ter uma intercorrência e não poder voltar à mesma instituição de saúde.
 
Da mesma forma, tudo precisa ficar registrado para o caso de o paciente falecer. Em situações como esse cenário da pandemia, um dos maiores riscos é dar uma informação incorreta de um óbito para um familiar. O que, aliás, já aconteceu. “É importante que tudo seja informatizado, e não em papel”, diz Luiza, com a experiência de quem já viveu intensamente essa realidade durante 21 anos dentro do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), uma referência nacional em tecnologia hospitalar. “Se os hospitais de campanha que estão sendo administrados por instituições de saúde receberem os mesmos sistemas de gestão hospitalar utilizados nas próprias operações será uma ótima notícia”, comenta.
 
E é isso que tem acontecido, por exemplo, com os pacientes do Hospital Municipal de Campanha do Pacaembu (HM Camp), na cidade de São Paulo, segundo o Hospital Albert Einstein, que administra o projeto. A tenda de 6,3 mil metros quadrados foi erguida pela prefeitura de São Paulo em 10 dias. São 200 leitos de baixa e média complexidades, e oito de UTI para socorrer pacientes que apresentam complicações.
 
“Embora seja um hospital de campanha, para nós, são pacientes do Einstein. Todo know how da nossa instituição está a serviço desse projeto”, relata Valéria Pinheiro de Souza, CMO do Einstein.
 
Um exemplo é o uso do sistema de prontuário eletrônico do Einstein, que tem facilitado o acesso dos profissionais às informações em tempo real do paciente, como número de internados, gravidade, quantos foram para a UTI e qual o tempo de permanência, a taxa de mortalidade e as comorbidades.
Mas a especialista admite que essa não é a realidade de todo o Brasil.
 
“Não vivemos nada diferente agora do que sempre vivemos do ponto de vista da tecnologia da saúde no País. Na área privada, estamos bem avançados no Brasil na questão da digitalização, mas cidades como São Paulo e Porto Alegre, por exemplo, são ilhas de excelência”, diz, elogiando as instituições gaúchas, como os hospitais Moinhos de Vento e Mãe de Deus, e destacando o fato de ter um forte polo tecnológico local.
 
Em alguns lugares, falta tanto que pensar em prontuário eletrônico nem é o caso. “Se todos os hospitais de campanha tiverem, pelo menos, algum grau de informatização para a identificação dos pacientes, de onde eles vêm e com que patologia, já seria de grande valia”, admite Valéria.
 
Mãe de Deus replica tecnologia em unidade de triagem em Porto Alegre
Em Porto Alegre, a área de trigem para a Covid-19 do Hospital Mãe de Deus já está ativa, em frente à sede da instituição da saúde, na avenida José de Alencar. Foi construída em 24 horas e utiliza as mesmas infraestrutura e tecnologia do hospital.
 
Um dos motivos dessa agilidade toda é o projeto de virtualização de desktop feito pelo Hospital Mãe de Deus há algum tempo. “Isso permite ao médico que está no hospital de campanha ter acesso aos mesmos dados, como o prontuário eletrônico, que ele veria se estivesse na nossa emergência ou no bloco cirúrgico”, explica o gerente de Tecnologia e Soluções do Hospital Mãe de Deus, Fabrício Dhein. O mesmo vale para a sistemática de impressão de etiquetas para identificação dos pacientes, com dados como nome, data de nascimento e filiação.
 
O médico intensivista da instituição, Marcius Prestes, comenta que, desde que a Covid-19 chegou mais fortemente na China, em fevereiro, o hospital criou um comitê. Uma das definições foi a de, assim que tivesse o primeiro caso de transmissão comunitária no Brasil, seria criado esse hospital de campanha. É um espaço exclusivamente para triagem.
 
“Se o paciente chega com sintomas gripais, vai para esse espaço e entra em protocolo de avaliação. Se tiver que internar, ele é encaminhado para fluxo de atendimento dentro da emergência, mas em uma área física separada das demais”, explica.
 
A tecnologia tem sido fundamental para garantir o fluxo seguro, já viabiliza que os médicos tenham acesso a um dashboard que monitora os pacientes. Quanto menos recursos disponíveis, maiores os riscos. “A TI é vital para essa comunicação”, reforça Marcius.
 
Fonte: Jornal do Comércio
 
01 de junho de 2020