Não é de hoje que as pessoas reclamam de estarem sempre cansadas. É o uso de tecnologia em excesso e em horários inadequados, estresse no trabalho, no trânsito, nas relações e até em atribuições do dia a dia, como enfrentar filas em bancos e supermercados.
Com a pandemia, a situação se agravou: mudança drástica na rotina, excesso de notícias ruins, isolamento, crise política e econômica, home-office, aulas on-line e outros diversos desafios impostos pelo ano de 2020 e que permaneceram em 2021.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconheceu o fenômeno generalizado de cansaço decorrente da pandemia e apelidou o sintoma de “fadiga pandêmica”. Uma pesquisa da instituição constatou que ela afeta 60% da população e é consequência do esgotamento gerado pela hipervigilância, pelo medo de um vírus que ninguém vê e de todas as mudanças de rotina necessárias.
Seja por sobrecarga de trabalho, ansiedade, depressão, seja por doenças não diagnosticadas, o grupo de cansados cresceu. O brasileiro até brinca sobre o assunto, com piadas e memes, mas a fadiga, em alguns casos, deve ser avaliada.
A reumatologista Luciana Muniz alerta que ela deve ser investigada quando resulta em prejuízos funcionais: “A causa da fadiga é multifatorial, ela envolve desde fatores relacionados a alterações do sono e do humor, até depressão e alterações de personalidade relacionadas ao sedentarismo, à alimentação e também à atividade inflamatória de algumas doenças, incluindo as reumáticas”, detalha.
Coordenadora de reumatologia do Hospital Sírio-Libanês de Brasília, Luciana cita ainda que fibromialgia, lúpus, artrite reumatoide e artrite psoriásica e doenças autoimunes, de maneira geral, podem causar a fadiga. “Só pelo cansaço, eu não consigo diferenciar uma doença da outra, porque é um sintoma comum de diversas.”
Tecnologia exaustiva
A desenvolvedora de web Rebeca de Castro Câmara, 23, passa, praticamente, o dia todo no computador. Na maior parte do tempo, a máquina é usada para o trabalho, mas um pouco do lazer dela também está em frente à tela. “Eu começo a trabalhar no computador umas 9h30 e só saio 22h30, com pausas para comer e fazer exercício, porque me ajuda muito a manter a cabeça em ordem”, descreve.
Para ela, fazer uma caminhada pelo bairro, tirar a cabeça um pouco do computador e espairecer a ajudam a voltar ao trabalho com outro gás. Ela considera esse um dos benefícios de trabalhar em casa, mas houve também grandes desafios trazidos pela pandemia.
O primeiro deles foi, claro, o isolamento. O segundo, grave, foi o desemprego. Ela foi demitida logo nos primeiros meses de lockdown. Depois de alguns meses abalada e em terapia, Rebeca deu a volta por cima e abriu a própria empresa: a Vitalcode Programação. Realizou-se conquistando os próprios contratos e administrando o tempo como lhe convém, mas percebeu mais um desafio imposto pelo coronavírus: as reuniões on-line. Para ela, muito mais cansativas do que as presenciais.
“O cansaço depende muito do dia. Tem dia que a gente realmente acaba fazendo muita coisa. Mas, quando tem reunião, pode até ser um dia mais leve, eu vou ficar cansada. Em reunião presencial, a gente tem nossa vez de falar, as pessoas te veem, te entendem. On-line, a internet corta, as pessoas te interrompem, porque tem atraso e, às vezes, acham que você já terminou, aí vem barulho dentro de casa”, enumera Rebeca.
Excesso de tela
Em maio de 2020, em uma pesquisa do Instituto Península, 35% dos professores ouvidos se diziam cansados. Em agosto, já eram 46% e, em novembro, 53%. Outra pesquisa, realizada pela instituição filantrópica sem fins lucrativos Ensino Social Profissionalizante, com jovens de 15 a 24 anos, mostrou que, em abril de 2020, 56,8% deles diziam estar dormindo menos que o normal. Já em novembro do mesmo ano, a taxa subiu para 65,8%. E o percentual dos que disseram estar mais cansados cresceu de 73% para 77,5%.
Nos Estados Unidos, uma pesquisa feita pela Universidade de Stanford concluiu que reuniões por videoconferências são mais cansativas que as presenciais e explica o porquê. Alguns motivos seriam o fato de as pessoas olharem para todos os participantes o tempo todo (numa reunião presencial, o foco muda de pessoa para pessoa). Além disso, você se vê o tempo todo, o que provoca uma autoavaliação constante e ainda evita se mexer.
Enquanto não é possível parar com as reuniões virtuais, o jeito é lidar com elas e tentar minimizar os prejuízos. O estudo traz formas de evitar a apelidada “fadiga de Zoom”. Entre as dicas, estão: usar o modo tela cheia, reduzir ao mínimo a janela do aplicativo, e ficar o mais afastado possível da tela.
A arte de relaxar
Embora mais tratada como sintoma, a fadiga pode ser uma doença em si. Com diagnóstico clínico, a Sociedade Brasileira de Reumatologia caracteriza a síndrome da fadiga crônica como um cansaço intenso sem causa conhecida, que pode piorar com a atividade física ou mental, mas não melhora com o repouso. E recomenda: moderação para as atividades diárias; exercícios físicos, com início lento e progressão gradual; terapia cognitivo-comportamental; tratamento de depressão e ansiedade; entre outros.
No livro A arte de relaxar — 7 passos para entender a fadiga e aprender a descansar, pensa-se o estresse do dia a dia e seus quadros extremos. Ele ajuda a identificar causas com o auxílio de exemplos tirados da vida cotidiana e de exercícios. A leitura — que é por si só uma atividade indicada para o relaxamento — surge como uma ferramenta para compreender e administrar o estresse em nossa vida, de modo a reduzir os seus danos.
Os autores Léonard Anthony e Adrian Chaboche fizeram um estudo sobre estresse, esgotamento profissional e cansaços físico e emocional envolvendo a medicina, a psicologia, a acupuntura e as medicinas alternativas, e discutem pautas como solidão, família, relacionamentos, o papel do sono e de sua deficiência na saúde geral, o celular e a vida digital, além de doenças que fazem par ao estresse e práticas de autocuidado e bem-estar.
Sintoma a ser investigado
Quando voltou a se exercitar, Andressa Barbosa sentiu melhora na exaustão que sentia(foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)
Andressa Barbosa, 28, arquivista, passou por dois momentos em que se sentiu muito cansada e com pouca disposição. A primeira vez foi em 2018, quando foi diagnosticada com hipotiroidismo, e a segunda, no início da pandemia, quando precisou interromper a rotina de exercícios que tanto havia lutado para se adaptar. “Eu nunca tive muita consciência da necessidade de exercício físico”, admite.
Há cerca de três anos, a fadiga de Andressa chegou a um nível preocupante. “Eu sentia sono o tempo inteiro, tinha dificuldade de dirigir, dificuldade de fazer tudo. Dormia bem à noite e me sentia cansada o dia inteiro, indisposta para tudo. Eu me sentia triste”, relembra. Tudo isso vinha acompanhado de ganho de peso.
O cansaço já era companheiro fiel dela, mesmo que dormisse bem, mas começou a ficar aflita com a possibilidade de se envolver em um acidente dirigindo. Resolveu ir a um cardiologista e, depois de alguns exames, foi diagnosticado o hipotiroidismo. Com duas semanas de remédio, ela já se sentia muito melhor.
Nos primeiros meses de pandemia, quando os sintomas voltaram, Andressa chegou a pensar que as taxas hormonais estivessem desreguladas novamente, dado o cansaço que sentia. Desta vez, no entanto, o sono não estava tão em dia. Tinha dificuldade para dormir e, por isso, não acordava revigorada. Começou a tomar remédio para ajudá-la a adormecer.
No final do ano passado, no entanto, voltou a lutar muay thai, a fazer dança e musculação. O início foi difícil, mas o benefício foi motivador. “As coisas ficaram muito melhores, eu consigo dormir melhor, parei de tomar remédio para dormir”, conta. A conclusão à qual ela chegou foi de que o corpo dela (e o de todo mundo) precisa de exercício físico.
Como lidar com a exaustão mental
Fundador do canal Saúde da Mente, no YouTube, com mais de 1,5 milhão de inscritos, o médico psiquiatra Marco Abud explica que o excesso de informações pode acabar preenchendo nosso cérebro de tal maneira que resulta em um turbilhão de reflexões capazes de levar, em alguns casos, a um descontrole emocional, gerando dificuldade constante de concentração, insônia, e até mesmo crises de ansiedade e depressão. Ele alerta: quando tentar colocar as ideias em ordem se torna um motivo de desespero, é hora de pedir ajuda profissional.
A seguir, confira algumas dicas de Marco Abud para “desacelerar” os pensamentos e controlar a sensação de exaustão mental:
Desconecte-se
O vício em nos mantermos conectados leva a um ciclo sem fim de excesso de informações que chegam por meio de redes sociais, aplicativos de mensagens e inúmeros outros canais de comunicação digital. Isso faz com que a mente permaneça em alerta máximo o tempo todo. E o remédio é um só: concentre-se no que estiver fazendo e largue o celular quando ele não for essencial para aquela atividade.
Organize uma lista de tarefas
Na maioria das vezes, é totalmente possível dar conta de todas as obrigações sem abrir mão dos momentos de relaxamento e descanso. O poder de estabelecer limites cabe só a você mesmo e nem sempre aquela tarefa que parecia tão essencial precisa ser feita com urgência. Reflita e crie uma agenda, só assim será possível focar no que precisa ser feito sem deixar que o desespero te faça se autossabotar.
Faça pausas
Momentos de descontração e distração são excelentes para ajudar o cérebro a relaxar antes de retornar ao nível máximo de produtividade.
Pratique alguma atividade física
A prática de exercícios físicos traz benefícios para o corpo e a mente. Quando nos movimentamos, o cérebro libera hormônios como endorfina, serotonina, dopamina e ocitocina, que provocam a sensação de bem-estar e, com isso, ajudam a controlar os níveis de estresse. Vale caminhar, dançar ou praticar os mais variados esportes.
Tenha hobbies
Tocar um instrumento, pintar, cozinhar, ler ou incluir qualquer outra ação na sua rotina que contribua para te trazer prazer e aliviar a tensão são sempre bem-vindos.
Emocional que se reflete no físico
O medo de se contaminar com o novo coronavírus aliado à ansiedade e ao desgaste emocional têm deixado Rafaella Ferreira exausta(foto: Arquivo pessoal)
Administrar relações e lidar com sentimentos gerados por discussões e desentendimentos é um desafio e tanto para a estudante de nutrição Rafaella Ferreira, 22 anos. A jovem conta que o desgaste emocional vivido por ela gera, também, um cansaço físico que a impede de realizar as atividades do dia a dia. “Minha mente fica pensando tanto naquilo, que eu começo a ter dores de cabeça, fico para baixo, deitada, como se tivesse um peso nas costas. Meu corpo sente muito, fico até um pouco resfriada”, relata.
Antes da pandemia, Rafaela costumava sair para espairecer quando esse tipo de situação a incomodava, mas, agora, tudo fica mais difícil. Além do fator do isolamento, ela precisa lidar com o medo constante de contrair a covid-19, o que gera um sentimento latente de ansiedade: “Às vezes, isso me afeta tanto que eu começo a sentir alguns sintomas, já cheguei até a fazer um teste, mas deu negativo e eu percebi que era emocional”, lembra.
Em alguns momentos, a fadiga emocional da estudante era tão forte que chegava a provocar febre e cansaço físico intenso, fazendo com que Rafaela não sentisse vontade de sair da cama. Preocupada com a saúde, ela passou a ouvir os sinais do próprio corpo e a buscar atividades que a distraíssem e a tirassem da inércia provocada pela angústia. “Antes, eu tinha muita dificuldade em saber o que estava sentindo, mas, hoje, eu tento balancear, sei que preciso descansar, mas tento não me entregar para isso. Agora, consigo diferenciar o meu cansaço real do ‘cansaço cômodo’”.
“Comecei a fazer artesanato. Ligo uma música que gosto e faço umas pulseiras, isso diminui meu cansaço, tanto emocional quanto físico. Acho que devemos prestar mais atenção nas falas do nosso corpo, porque é um passo para a gente se conhecer e lidar com as coisas com mais facilidade, se permitir cuidar da própria saúde, de si mesmo e levar um dia de cada vez”, completa Rafaela.
Aprendendo a ler os sintomas
A médica psiquiatra Thaíssa Cruvinel explica que nós nos sentimos cansados quando a energia requerida para as adaptações da vida, para as novas adequações, vem sendo muito intensa. Segundo ela, toda mudança gera um conjunto de reações no nosso organismo, às custas de um gasto de energia, física e mental. O cansaço acontece quando precisamos mudar e, para dar conta das demandas ao nosso redor, precisamos de um certo esforço ao longo do tempo.
“Os sintomas de cansaço mental e emocional são percebidos e referidos pelo paciente como exaustão, tristeza, falta de motivação, fadiga, desânimo, desatenção, autocobrança, sensação de incapacidade, irritabilidade, nervosismo, prejuízo no apetite e, muitas vezes, acompanhados de sensações físicas, como dores musculares, dores de cabeça, entre outros”, cita a profissional.
Alguns sintomas físicos podem ser observados como resultado do cansaço emocional, como: coração disparado, dores musculares, tensão na região cervical, dores estomacais, alteração do ritmo intestinal e queda da imunidade. Isso explica por que Rafaela se sentia resfriada após longos períodos de estresse.
“O cansaço mental e emocional é um fator de risco para o surgimento de outras patologias, como transtornos de ansiedade, depressão, cardiopatias, doenças metabólicas, insônia e até mesmo para doenças oportunistas como a covid-19”, explica a médica. “É preciso repor a energia perdida e reequilibrar o organismo. A gente precisa descansar, desconectar-se dos problemas, divertir-se, dormir o suficiente. Precisamos caminhar, sorrir, nos conectar com pessoas, com a natureza. Precisamos de amor, de nos cuidar, nos exercitar e relaxar”, recomenda.
Outra dica importante seria mapear a situação que gera o desgaste. Isto ajuda a entender melhor o processo. “Uma vez que sabemos onde está o foco do que consome nossa energia, conseguimos nos reorganizar, delegar o excesso de demandas, eliminar gastos de energia desnecessários e utilizar um tempo para nós mesmos”, completa Thaíssa Cruvinel.
- Fonte: contadores.cnt.br
- Foto: Freepik
- 02 de junho de 2021