O uso de tecnologia de dados e inteligência artificial tornou-se tendência irreversível no direito, avaliam especialistas. Diante dessa tendência, faculdades e startups já estão oferecendo cursos de especialização nesses temas voltados para atuação do advogado.
De acordo com o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio, Ivar Hartmann, o curso identificou essa evolução dentro do mercado jurídico e buscou capacitar os alunos para atuar dentro dessa nova realidade. “Isso passa por escolhas de disciplinas da própria academia. Fizemos um curso de programação para advogados em 2013 e isso se tornou uma disciplina eletiva a partir de 2014”, conta o docente.
Na opinião do especialista, a grande contribuição da tecnologia em qualquer tipo de trabalho intelectual é ajudar os profissionais a identificarem as tarefas mais eficientes e adequadas para os seres humanos e aquelas que seriam melhor desempenhadas por máquinas.
A pesquisa processual nos diversos sistemas de tribunais brasileiros e a elaboração de peças judiciais personalizadas para demandas comuns, usando dados como probabilidade de vitória por juiz, já é uma realidade para o Benício Advogados, que utiliza o Benício Analytics, desenvolvido pela DB Jus, para esse tipo de análise. “É uma ferramenta que reduz custos e ganha tempo”, diz Marcus Camargo, diretor executivo da DB Jus.
Para Hartmann, foi muito positivo ver que alunos da FGV se interessaram pelo tema e decidiram dedicar suas vidas profissionais ao desenvolvimento de ferramentas que auxiliam o trabalho dos advogados. “O exemplo da nossa disciplina é satisfatório, pois temos três empresas de direito com sucesso que saíram do nosso curso nos quatro anos desde que foi criada”.
O CEO da startup Sem Processo, Bruno Feigelson, também se empenhou no ensino dessas competências para profissionais da área. Na Future Law, ele desenvolveu um curso de ciência de dados para advogados que se tornou um sucesso.
“Com a tecnologia vindo para o centro do negócio jurídico, advogados e gestores estão sendo obrigados a adquirir novas habilidades. O profissional precisa aprender um pouco de gestão e de tecnologia de dados”, explica.
“Várias empresas fizeram economias de milhões de reais ao usar plataformas de acordos ou aumentar a tecnologia do departamento jurídico. Há empresas que gastam bilhões de reais com questões jurídicas”, comenta.
Um dos obstáculos para a efetiva adoção dessas ferramentas nos escritórios, na visão do empreendedor, é a falta de conhecimento dos advogados de programação e análise de dados. A professora de Direito da FGV, Marina Feferbaum, ressalta que na disciplina da faculdade, os alunos tiveram que aprender a programar, o que foi um desafio no começo, contudo, a aula acabou trazendo bons resultados no final.
“Depois de três dias de intensivo, eles aprenderam como criar uma interpretação jurídica. Os alunos não tiveram facilidade de aprender a programar, mas depois disso, a maior dificuldade relatada foi o trabalho em equipe e não a programação”, destaca.
No entanto, há outros empecilhos. Hartamann diz que o grande motivo porque as lawtechs (empresas de tecnologia voltadas a serviços jurídicos) não são tão conhecidas como as fintechs (voltadas a serviços financeiros) é que, apesar de existirem em um mercado extremamente regulamentado, as fintechs não enfrentam tantas reações negativas. “Há quem entenda essa evolução, mas há pessoas na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que enxergam com mais reservas. A barreira regulatória é muito grande”, lamenta.
Entrave regulatório
O presidente de uma lawtech, que não quis ser identificado, conta que por um entendimento da OAB de que ele estaria divulgando sua empresa em desacordo com o código de ética da instituição, foi intimado a depor em uma delegacia de polícia, sujeito às penas previstas no artigo 330 do Código Penal. A saber: detenção de quinze dias a seis meses, além de multa.
“A OAB usa todas as forças que tem, inclusive a polícia civil para initimidar e fazer com que a pessoa desista da atividade”, denunciou. Para o empresário, a entidade deveria criar uma subseção ou câmara interna para avaliar as lawtechs e referendar àquelas que obedecem ao interesse público com um selo de qualidade, impondo restrições somente as que podem causar danos para a sociedade. “Combinaria uma anuidade ou comissão para dizer se é legal ou ilegal. O que não pode é colocar todo mundo no mesmo balaio”, comenta o empresário.
Para o sócio-fundador da Tikal Tech, Antônio Maia, a OAB deveria apoiar mais os advogados no combate à litigiosidade, grande bandeira das lawtechs. Além disso, ele acredita que uma proximidade maior com essas empresas só traria benefícios à função regulatória da companhia. “A tecnologia atua para baratear os serviços, mas se o profissional tiver um viés interpretativo, o algoritmo terá também. Se houver um algoritmo racista ou homofóbico, como a OAB vai regular isso? A Ordem não tem controle sobre as novas tecnologias”, pondera.
Procurada, a OAB não havia se posicionado até o fechamento desta reportagem.
No ano passado, a Comissão de Ciência e Tecnologia da OAB/SP esteve na Fenalaw (principal feira do setor) para conhecer as novidades tecnológicas para o mercado jurídico. Feigelson defende que as resistências na OAB são pontuais.
Fonte: Diário Comércio Indústria & Serviços
07 de maio de 2018