Código Civil: Aprovado relatório parcial de Direito Digital

Foi aprovado o relatório parcial referente ao Direito Digital no âmbito da Comissão de Juristas responsável pela atualização do Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/02). A expectativa é que o relatório final, que contempla 10 capítulos, seja aprovado até a próxima sexta (5).

MODIFICAÇÕES

O relatório referente à inclusão de direito digital na lei foi um dos mais consensuados, com poucas alterações ao texto proposto inicialmente, com o destaque para as seguintes modificações:

  • Inclusão de desenvolvimento científico e tecnológico e transparência algorítmica dentre os fundamentos do Direito Civil Digital;
  • Acrescenta dispositivo sobre neurodireitos, proteção que visa a preservar a privacidade mental, a identidade pessoal, o livre arbítrio, o acesso justo à ampliação ou melhoria cerebral, a integridade mental e a proteção contra vieses, das pessoas naturais, a partir da utilização de neurotecnologias. Nesse sentido, garante o direito a liberdade cognitiva, privacidade mental, integridade mental, continuidade da identidade pessoal e acesso a tecnologias de aprimoramento ou extensão das capacidades cognitivas. Ademais, determina que são parte indissociável da personalidade e recebem a mesma proteção, não podendo ser transmitidos, renunciados ou limitados;
  • Suprime o termo responsabilidade objetiva dentre os deveres dos provedores e usuários do ambiente digital;
  • Inclusão do termo “informado” acerca da obtenção de consentimento de criação de imagem;
  • Acrescenta trecho para indicar que na interpretação dos contratos digitais deve-se levar em conta a sua funcionalidade conjunta, a compatibilidade, a interoperabilidade, a durabilidade e o seu uso comum e esperado.

DIREITO DIGITAL

O relatório proposto pela Subcomissão de Direito Digital engloba as seguintes temáticas:

Deveres das plataformas

Estabelece obrigações para as plataformas digitais de grande abrangência, definidas como aquelas “cuja principal funcionalidade seja o armazenamento e a disseminação de informações ao público, com um número médio de usuários mensais no país superior a 10 milhões, tais como redes sociais, ferramentas de busca e provedores de mensagens instantâneas”.

»      Esse conceito assemelha-se ao proposto no relatório referente ao PL 2630/2020, conhecido como PL das Fake News.

Pelo relatório, as plataformas devem evidenciar que implementam medidas diligentes para assegurar a conformidade de seus sistemas e processos com os direitos da personalidade, bem como os direitos à liberdade de expressão e de informação. Isso inclui a realização de “avaliações de riscos sistêmicos” para a mitigação de danos, além de estarem sujeitas a auditorias independentes, aspectos estes que têm sido defendidos pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).

As medidas necessárias para atenuar os riscos sistêmicos, devem levar em conta, especialmente, o impacto de tais medidas em direitos fundamentais da pessoa, podendo incluir a adaptação do funcionamento de seus termos e políticas de uso, a adaptação dos processos de moderação de conteúdo e dos sistemas de publicidade.

São considerados riscos sistêmicos, os quais as plataformas devem identificar, analisar e avaliar, pelo menos uma vez por ano:

    • A disseminação de conteúdos ilícitos por meio de seus serviços;
    • Os efeitos reais ou previsíveis nos direitos fundamentais dos usuários, conforme consagrados pela Constituição da República Federativa do Brasil;
    • Os efeitos reais ou previsíveis nos processos eleitorais e no discurso cívico;
    • Os efeitos reais ou previsíveis em relação à proteção da saúde e da segurança públicas.
Inteligência Artificial

 As propostas incluem requisitos para garantir o respeito aos direitos fundamentais e a implementação de sistemas seguros em prol da pessoa humana e do avanço científico e tecnológico.

Entre as garantias obrigatórias para os serviços de IA estão “condições de transparência, auditabilidade, explicabilidade, rastreabilidade, supervisão humana e governança”. O texto enfatiza que a utilização de inteligência artificial em serviços digitais deve ser identificada de maneira clara, seguindo padrões éticos conforme os princípios da boa-fé e da função social do contrato.

No tocante à polêmica criação de imagens de pessoas vivas ou falecidas por meio de IA, a proposta estabelece as seguintes regras:

    • Obtida a permissão e expressa de consentimento informado pela pessoa viva;
    • Obtida do consentimento informado e expresso dos herdeiros legais ou dos representantes do falecido;
    • Respeito à dignidade, reputação e legado da pessoa retratada, evitando usos difamatórios, desrespeitosos ou contrários à sua vontade expressa em vida;
    • Uso não comercial, a menos que especificamente autorizado pelos herdeiros legais, representantes ou por disposição testamentária.

A proposta destaca que as imagens criadas estão sujeitas às leis de direitos autorais e à proteção da imagem, sendo os herdeiros legais ou representantes do falecido detentores desses direitos.

Além disso, exige que “em todas as imagens criadas por inteligência artificial, é obrigatória a menção desse fato em sua divulgação”.

Marco Civil da Internet

 O relatório sugere a revogação do Artigo 19 do Marco Civil da Internet, que impede a responsabilização das plataformas digitais sem decisão judicial prévia.

No lugar, propõe-se prever que as plataformas digitais poderão ser responsabilizadas administrativa e civilmente: i) pela reparação dos danos oriundos de conteúdos gerados por terceiros cuja distribuição tenha sido efetuada por meio de publicidade na plataforma; ii) e por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos de descumprimento sistemático das obrigações estabelecidas [na lei], de acordo com as disposições do regulamento.

Direitos dos usuários

Conforme a proposta da subcomissão, o esboço estabelece que “o direito civil digital assegurará o pleno exercício da liberdade de informação, da liberdade de contratar, da liberdade contratual e do respeito à privacidade e à liberdade das pessoas, em equilíbrio com a regulamentação desses serviços, conforme estabelecido pelas autoridades públicas”.

São sugeridos parâmetros e critérios para orientar “a interpretação dos fatos, atos, negócios e atividades civis ocorridos no ambiente digital, para a apuração de sua legalidade e regularidade”, baseados nos princípios do direito. Entre esses princípios, destacam-se o respeito à dignidade humana, a garantia da segurança no ambiente digital, a luta contra a desigualdade digital e o respeito aos direitos e à proteção integral de crianças e adolescentes.

Publicidade

Embora já houvesse previsão legal em outros normativos, o relatório estabelece que sem autorização, não se pode usar o nome alheio em publicidade, em marca, logotipo ou em qualquer forma de identificação de produto, mercadoria ou de atividade de prestação de serviços,

Ainda dentro das regulações da publicidade, o texto apresentado veda a veiculação de publicidade nos produtos ou serviços de tecnologia da informação destinados a crianças e a adolescentes. Nesse sentido, aplica-se tal definição a toda forma de exibição de produtos ou de serviços, ainda que gratuitos, destinados a crianças ou a adolescentes, inclusive por meio de plataformas de compartilhamento de vídeo, de redes sociais e de outros produtos ou serviços de tecnologia da informação.

 

Destaca-se que o texto final ainda passará por ajustes de redação, antes de ser entregue aos parlamentares.

 

  • Fonte: Assessoria Parlamentar Assespro-RS – Foco Relações Governamentais
  • Imagem: Freepik
  • 02 de abril de 2024