Somos fascinados pela evolução. A cada sinal de que estamos avançando rapidamente na direção do novo, vem o frisson. É o que está acontecendo com o ChatGPT, que não sai das notícias nas últimas semanas. De fato, a Inteligência Artificial (IA) é uma das tecnologias mais disruptivas das últimas décadas, e com um potencial já comprovado em redução de custos e perdas, automatização de processos e aumento de produtividade. Mas, modelos como o do ChatGPT – protótipo de um chatbot com IA desenvolvido pela OpenAI e especializado em diálogo – ainda precisa ser analisado com parcimônia. O alerta é do especialista em IA e estratégia e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Luís Lamb.
“Esses modelos têm evoluído justamente porque a capacidade de processamento dos computadores é cada vez maior, mas eles ainda inventam fatos, ou seja, ainda não têm um grande grau de confiança”, explica ele, que atualmente está nos Estados Unidos cursando um MBA em Inovação e Tecnologia no Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Mercado Digital – A Inteligência Artificial já é uma realidade contundente. Como você enxerga toda essa movimentação em torno do ChatGPT?
Luís Lamb – De fato, tem muito marketing e muita discussão sobre o ChatGPT e outras tecnologias chamadas de modelos grandes de linguagem, Large Language Models (LLM). Mas, na verdade, esses modelos têm uma série limitações, e o próprio CEO da OpenAI, o Sam Altman, já confirmou isso. Ainda assim, têm causado a impressão de serem modelos grandiosos, que resolvem problemas, que pensam. E, na verdade, não é bem isso.
MD – Como funcionam os modelos LMM?
Lamb – Os modelos de LLM têm essa terminologia porque são treinados, ou seja, utilizam algoritmos de aprendizado de máquina justamente para processar um grande volume de texto. E, a partir disso, e usando algumas técnicas de Inteligência Artificial, fazem previsões das próximas sequências. Esses modelos têm evoluído justamente porque a capacidade de processamento dos computadores é cada vez maior. Mas, tem que ter que se perceber uma questão. Esses sistemas ainda inventam fatos, ou seja, ainda não têm um grande grau de confiança. E tem um problema de semântica, ou seja, não baseiam suas inferências numa correspondência semântica com a realidade. Não são, ainda, modelos que a gente possa dizer que oferecem uma grande garantia de produzir resultados corretos e que, portanto, possam ser utilizados para tarefas que têm uma questão crítica muito significativa.
MD – Por que o ChatGPT foi lançado antes de soluções similares de grandes players de tech?
Lamb – As tecnologias por trás do ChatGPT são dominadas também por grandes centros de pesquisa e empresas como a Meta, Nvidia, entre outras. A OpenAi causou esse impacto, primeiro, porque esses produtos estão constantemente sendo refinados com a interação que têm com os seres humanos. E o que explica ter lançado essa solução antes das gigantes? Aí é uma questão de negócios. Uma companhia que tem um mecanismo de busca como o seu negócio principal, por exemplo, não pode oferecer respostas erradas, não é? Se fizer isso, pode perder uma grande quantidade de clientes. Então, a verdade é que as big techs também têm essa solução, mas ao mesmo tempo têm uma grande responsabilidade com os seus bilhões de usuários. Se errarem, colocarão abaixo o seu modelo de negócio. A OpenAi é a única que domina essa tecnologia? Não, não é a única. Mas é uma empresa fundada, justamente, para fazer grandes pesquisas e investimentos em tecnologias disruptivas e, sem dúvida nenhuma, está gerando inovações.
MD – Quais as consequências positivas de ferramentas como essa na nossa vida?
Lamb – Vamos ter uma série de consequências sobre as nossas atividades, sem dúvida. As ferramentas de Inteligência Artificial são cada vez melhores para automatizar tarefas extenuantes, repetitivas e triviais, e que não fazem sentido de serem executadas por seres humanos. Sempre gosto de dar o exemplo de quando surgiu a calculadora. Na época, os professores ficaram preocupados, achando que os alunos iriam só usar essa ferramenta e que isso acabaria com as aulas de matemática. Entretanto, a partir do momento que temos acesso a melhor tecnologia, podemos usá-la, justamente, para qualificar o ensino. A calculadora não acabou nem com os professores de matemática, nem com os alunos de matemática, nem com os engenheiros. Os computadores, por melhores que sejam hoje em dia, não acabaram com os engenheiros e nem com os programadores. No caso específico de soluções como ChatGPT, é a mesma coisa. Textos de alta qualidade, que exigem uma capacidade de análise aprofundada e nos quais o autor expressa o seu raciocínio, ainda serão realizados por seres humanos. O que fica cada vez mais claro sobre o presente e o futuro é a importância da nossa capacidade de pensar, e não de memorizar.
MD – E quais os riscos do uso sem maiores cuidado?
Lamb – Esses sistemas têm uma visão ainda muito limitada porque não baseiam as suas referências na realidade. Isso significa que o computador não faz uma associação semântica de sentido quando escreve um determinado texto. Também, nessa linha, é que surge a ideia do que se chama aqui de alucinação. O que é isso? São ideias, invenções que esses modelos de linguagem produzem e que não fazem muito sentido ou, às vezes, não fazem nenhum sentido. Essa é uma das questões entre várias outras que têm que ser resolvidas antes que esses modelos sejam vistos como capazes de substituir todo o trabalho dos estudantes e de determinadas profissões que fazem produção de texto. Esses modelos vão se tornar cada vez melhores, mas existem questões da IA que ainda terão de ser resolvidas para que esses modelos possam ser utilizados. A tendência que a gente está percebendo nesse momento, em termos de evolução da economia, é o domínio dos dados, do raciocínio e das pessoas que têm a capacidade de gerar soluções inovadoras.
ChatGPT
Lançado pela empresa OpenAI, o ChatGPT vem chamando a atenção do mercado pela sua capacidade de buscar, resumir e traduzir informações, bem como de construir textos. A Microsoft assinou um contrato com a OpenAI que chega a US$ 10 bilhões, de acordo com o jornal The New York Times.
Essa semana, a versão paga do robô ChatGPT ficou ativa no Brasil. O custo mensal para o uso será de US$ 20, pouco mais de R$ 100,00. De acordo com a empresa, o usuário pago da ferramenta terá a garantia de acessá-la mesmo quando o site estiver sobrecarregado.
Já o Google anunciou que trabalha em uma IA conversacional chamada Bard.
- Fonte: Jornal do Comércio – Patricia Knebel
- Imagem: Freepik
- 13 de fevereiro de 2023