Fevereiro de 2020 – a ansiedade toma conta das organizações para se adequarem à LGPD. Basicamente, ainda restam 6 meses para o início de uma jornada de aprofundamento e conhecimento sobre o tema. Algumas pesquisas de mercado informam que, na média, 85% dos controladores de dados, ainda não tem um plano sobre como enfrentar esta nova realidade legal. Algumas outras, ainda sob o pretexto de uma possível postergação do início da vigência da lei, fazem coro e torcida para que o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, por decreto, façam alguma coisa. Talvez consigam pela própria ineficiência estatal que fez muito pouco para sua própria adequação.
Se retrocedermos nossas memórias há 4 ou 5 anos atrás, lembraremos de um movimento nacional onde motoristas de táxis enfrentavam os primeiros motoristas de aplicativos, em clima totalmente hostil e corporativo contra a presença destes no seu mercado de atuação. Um movimento, inclusive com agressões físicas, que perdeu força quando o consumidor descobriu que o serviço de transporte, por aplicativo, era melhor, mais seguro, mais confortável e mais barato.
O consumidor simplesmente, de forma contrária a legislação existente a época, trocou, quase que de imediato, de prestador de serviços para deslocamentos urbanos. E os governos, principalmente, municipais, tiveram que regular este serviço porque ele era desejado, agradava a sua clientela e facilitava a vida de muitos. Agradava inclusive pessoas que estavam desempregadas e tinham agora uma nova opção de renda. Os motoristas de táxi que não aceitavam um novo modelo de concorrência tiveram que se adaptar rapidamente! Quem não fez, sucumbiu ao mercado!
A LGPD trouxe à tona, agora, um novo corporativismo, copiando um comportamento dos antigos motoristas de táxi: organizações resistem em surfar a onda da transformação e automação do século XXI. Estas se acham donas dos dados das pessoas e se negam, literalmente, a admitir que dados pessoais devam ser protegidos ou respeitados. Freiam a sua própria evolução, na esperança de que, ao não fazerem nada ou lutarem contra, a moda da tecnologia e da inovação irá passar e estas continuarão a colher os seus frutos como antes, sem a chatice de uma LGPD para atrapalhar.
Ledo engano: A LGPD veio para acelerar o processo de automação de processos de negócios. Empresas para competirem precisam de dados e informações em tempo real para tomadas de decisão cada vez mais assertivas e ágeis. Não existirá competição sem dados e processos em tempo real, porque simplesmente quem não automatizar qualquer processo de negócio que seja possível, simplesmente não existirá como negócio! Simples assim!
Se organizações estão retardando o processo de discutir como acelerar a si mesmo e se tornarem ainda mais produtivas, parece que estão assinando sua própria sentença de morte, já que a LGPD traz a discussão da própria transformação digital em seu bojo.
A LGPD é somente a consequência de um movimento mais amplo que impulsiona as organizações a serem mais competitivas. Esqueçam a lei e olhem para o negócio. Há organizações paquidérmicas sendo superadas por uma startup que descobriu como, mesmo dentro da legalidade, tratar um dado, de forma mais veloz, que gera um novo insight ou resultado que irá beneficiar, conquistar e fidelizar o seu cliente.
O mundo mudou e acelerou muito nos últimos recentes 5(cinco) anos. Tudo é algoritmo, software, dados e inteligência artificial para dar conta da quantidade de possibilidades de transações entre pessoas e companhias. Imagine uma organização, hoje, que não lida com dados pessoais, que não conhece seus clientes, seus hábitos, que não sabe o que compram, de quem compram, porque compram, certamente não conseguirá sobreviver neste século. É um tremendo engano estratégico lutar contra a tecnologia aplicada a processos de negócios que melhoram a competividade e a satisfação do ser humano: o cliente.
Alguns mais exacerbados dirão: “Temos muita tecnologia e conhecemos tudo de nossos clientes, só não concordamos que deva existir uma lei para regular isso e um governo para nos cobrar multas”. As frases anteriores são de um corporativismo muito semelhante ao antigo discurso dos taxistas.
A lei existe para regular aquilo que alguns, mais habilidosos, já descobriram: se consolidarmos dados e mais dados, de forma organizada, ética e legal, fragilizaremos a competição, inclusive nossos concorrentes e nos tornaremos líderes do nosso mercado. Esta é a verdadeira corrida.
Então a Lei é para ajudar a estes mesmos empreendedores a continuarem vivos no mercado. A LGPD está dando uma oportunidade a estas organizações de realmente se diferenciarem e competirem. Em contrapartida, quem se utilizar de meios escusos ou antiquados será devidamente punido já que este novo tabuleiro global exige competência e capacidade. Não precisa ser grande para isso, só mais rápido!
Infelizmente é do ser humano, conservador e corporativista, se fazer de vítima nesta hora. É natural ao iniciarmos processos de adequação à LGPD encontrarmos situações que exponham gestores ( entendem porque alguns são contra, correto? ) em seus processos organizacionais.
Aliás, a LGPD não é um assunto que exponha somente a TI ou o jurídico; Ela expõe as áreas de negócios das organizações, pois a verdadeira adequação da lei está nos métodos de captação, acesso, armazenamento e utilização dos dados pessoais e isso acontece nas áreas de negócio, não necessariamente ou exclusivamente nas áreas de tecnologia ou legal.
É por isso que é tão difícil uma organização enfrentar a LGPD, pois ela precisa enfrentar os seus piores medos: modernizar, automatizar e transformar os seus processos de negócio internos ! É hora de mostrar a sua cozinha…e apontar quem é o chef desta cozinha !
É comum, por exemplo, que em alguns setores de recursos humanos hajam controles e indicadores de todos os tipos: turn-over, clima organizacional, horas de treinamento, mas o controle de férias ou banco de horas ainda é manual e feito em planilha eletrônica que depois é compartilhada, via email, com o prestador de serviços que processa a folha de pagamento expondo todos os dados dos colaboradores.
É o nível de governança do RH que se espera em uma organização do século XXI ?
É comum, por exemplo, em alguns setores de vendas, indicadores de metas semanais, mensais, por unidade de negócios, por tipo de produto, por cliente, mas o controle de agendamento de visitas ainda é feito por email ou whatsapp, com os dados pessoais do cliente totalmente expostos que depois são enviados para representantes comerciais realizarem follow-up, sem controle algum de onde esta massa de informações foi parar. Alguns descobrem, algum tempo depois, que seu cadastro está com o concorrente e não consegue saber como isso aconteceu.
É o nível de governança da área comercial que se espera de uma organização do século XXI?
É comum, por exemplo, que em algumas recepções corporativas, uma pessoa ao se identificar tenha que deixar sua imagem pessoal para fins de segurança, mas seus dados pessoais como identidade ou cpf, são anotados em um caderno físico, de forma manual, que ninguém sabe se será descartado ou a quem será entregue.
É o nível de governança de prestadores de serviços que se espera de uma organização do século XXI ?
É comum, por exemplo, em mega eventos corporativos, palestras, workshops, onde a sua inscrição é feita por tecnologias de qr code ou reconhecimento facial, mas posteriormente sua caixa postal passa a receber, cotidianamente, ofertas desconexas de fornecedores que voçê nunca falou ou teve interesse em conectar. Quem compartilhou as informações ? Por que fizeram isso em detrimento aos seus próprios clientes?
É o nível de governança do marketing que se espera de uma organização do século XXI ?
Vejam que são pequenos exemplos onde o tratamento da informação pessoal não é desrespeitada pela TI ou pelo jurídico, mas sim por decisores de áreas estratégicas de um negócio.
São estas algumas das fragilidades de gestão das organizações do século XXI que a LGPD escancara: Elas se travestem de modernas, ágeis, leves e de vanguarda, mas quando olhamos a fundo, vemos apenas gestores despreparados, caricatos, frágeis e indolentes para um mundo conectado, colaborativo e automatizado. Da mesma forma que os taxistas lutaram contra os aplicativos temos agora organizações lutando contra o seu próprio futuro.
De forma alarmante, não é o custo da tecnologia que as impedem de avançar, mas tão somente o tamanho das suas capacidades de visualizarem um novo mundo a sua disposição! E para isso irão precisar de muita gestão, pois tudo que puder ser automatizado, SERÁ !!!
Reges Bronzatti
- Advogado especialista em Direito Digital, Contratos e Negociações em TI;
- Diretor de Marketing Estratégico do Grupo Processor;
- Ex-Presidente Assespro-RS;
- Coordenador do Grupo Assespro-RS – Segurança e Privacidade de Dados
13 de fevereiro de 2020