Ausência de um controle central nas transações com moedas digitais pode gerar insegurança nos casos em que há necessidade de definição de medidas emergenciais.
Recentes notícias a respeito de bloqueio sistêmico de soma considerável de valores de carteiras de Ethereum reaqueceram o debate sobre os riscos em investimentos com criptomoedas.
No caso divulgado, em razão de vulnerabilidade, um usuário causou de modo não intencional o impedimento de acesso a carteiras de assinaturas múltiplas de determinada exchange. Dentre as soluções técnicas sugeridas, ventila-se a possibilidade de realização de hard fork (bifurcação da blockchain da moeda virtual).
Como se sabe, por todos os conceitos que, até o momento, regem os sistemas de criptomoedas, a realização da cisão da blockchain costuma sujeitar-se à obtenção do complexo consenso da comunidade tecnológica envolvida. A grande discussão, contudo, reside no fato de que providências de divisão do sistema podem trazer instabilidade para a moeda e ocasionar confusão nas transações, implicando queda de seu valor de mercado.
Estes são, aliás, os argumentos que, entre outros, suspenderam a realização de polêmica hard fork proposta para o Bitcoin (que pretendia aumentar o tamanho dos blocos de dados). Os efeitos, contudo, foram adversos: comunicações sobre o cancelamento de referido fork causaram flutuações relevantes no preço da moeda.
Ademais, a possibilidade de mudança na blockchain de uma criptomoeda “consolidada” no mercado é opção que parece salientar ainda mais o sensível problema da falta de governança – aspecto relevante no que concerne aos riscos dos investimentos com moedas virtuais. O episódio narrado de trancamento de Ethereum reforça, outrossim, a flagrante instabilidade dos sistemas diante do despreparo técnico de seus usuários.
Embora se reconheça que a metodologia de escrituração encadeada de dados da blockchain seja uma das formas mais eficientes de que tem notícias para monitorar e corrigir intercorrências sistêmicas, a ausência de um controle/administração central nas transações com moedas digitais pode gerar insegurança nos casos em que há necessidade de definição de medidas emergenciais.
De qualquer forma, considerando-se o panorama de robusta expansão da circulação de criptomoedas, diversas discussões jurídicas importantes clamam por estudo e aprofundamento.
A própria dificuldade de definição de sua natureza jurídica já desbrava a lista de questionamentos. Outros exemplos de pontos de discussão: pertencendo as chaves das criptomoedas exclusivamente ao portador, como operacionalizar o direito de herança na hipótese de desconhecimento de senhas do falecido? Como fazer, também, a divisão forçada de criptomoedas entre sócios litigantes ou cônjuges em divórcio? E, integrando o conjunto de bens do devedor, seria viável a penhora de criptomoedas? (ou elas se confirmariam como alternativas para a blindagem ilegal de patrimônio)?
Enfim, mesmo sem elucidação para tais questões, a realidade segue em cenário de aumento exponencial do leque de usabilidade das técnicas de blockchain, mesmo na área jurídica. A adesão aos smart contracts (com ethereum, por exemplo), que permitem o registro seguro e perpétuo de documentos com datação, é outro incentivador de potencial revolucionário (Legal Change), que não pode ser ignorado.
Pois bem. Em meio às novidades, dúvidas são levantadas, ainda, com relação às ICOs – Initial Coin Offerings e seu eventual enquadramento na legislação pátria. Sobre o assunto, manifestou-se a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em nota específica.
Segundo a autarquia citada, dependendo do contexto econômico da emissão de ativos virtuais e dos direitos conferidos aos investidores, referidas operações para captação de recursos podem representar oferta pública de valores mobiliários, sujeita à legislação pertinente. Além disso, na mesma nota, a CVM tratou sobre os riscos de ocorrências de fraudes e esquemas de pirâmides em operações de ICOs e/ou realizadas por emissores não registrados.
O alerta mencionado certamente foi oportuno e veio, inclusive, pouco tempo após a Polícia Federal deflagrar operação que resultou na prisão de envolvidos em esquema de pirâmide com a Kriptacoin.
No mesmo sentido, expressou-se o Banco Central do Brasil (Comunicado Bacen 31.379/2017): as operações com moedas virtuais não têm garantia de conversão para moedas soberanas, tampouco são lastreadas em ativo real de qualquer espécie; por isso, todos os riscos de compra e guarda ficam com seus detentores e são imponderáveis. Ainda de acordo com o Bancen, as moedas virtuais não se confundem com as moedas eletrônicas (Lei 12.865/2013) e as empresas que negociam ou guardam criptomoedas não são reguladas, nem supervisionadas por ele.
Nota-se, portanto, que o avanço das operações com moedas virtuais traz a reboque a inevitabilidade de incontáveis reflexões no universo jurídico, já que, apesar dos riscos, continuam sendo tendência irrefutável.
Assim, muito embora a busca pela segurança das operações seja ideal inafastável, para que não se cometa o erro de descartar o bebê com a água do banho, defende-se que se o tema (quiçá) for objeto de futura regulamentação, todo o cuidado deve ser empenhado para que conquistas tecnológicas não sejam obstadas.
*Renato Opice Blum, Mestre pela Florida Christian University; Advogado e Economista; Coordenador do curso de Direito Digital do INSPER.
Fonte: Renato Opice Blum
05 de dezembro de 2017