A jurisprudência tem decidido a favor dos empregadores no que diz respeito a demissões por uso excessivo de celulares e demais aparelhos eletrônicos pelo funcionário. O “Cyberloafing”, ou no português, a “vadiagem cibernética”, é a prática realizada pelos colaboradores de uma empresa ao acessarem excessivamente a internet e redes sociais durante a jornada de trabalho, interferindo sua produtividade e desempenho.
A prática pode levar a sanções mais leves como advertências e suspensões ao funcionário, mas em casos mais graves, ou até naqueles em que o empregado segue utilizando o equipamento mesmo após ser punido, pode acarretar numa demissão por justa causa.
Foi o que decidiu, por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) que, em 2017, manteve a demissão por justa causa de um obreiro que descumpriu regras a respeito da proibição do uso do celular durante o trabalho. Para o Tribunal, foi comprovado que o funcionário tinha “plena ciência” das normas e “ignorou as advertências da sua empregadora e manteve o comportamento inadequado”.
Os especialistas ouvidos pelo Jornal do Comércio destacam que uma dispensa por justa causa deve ser sempre uma das últimas penalidades aplicadas ao funcionário. “É preciso ter uma gradação. Com base nas decisões judiciais já proferidas, o que orientamos às empresas é que sejam criadas regras previas sobre o uso de celular no ambiente de trabalho, dar ciência ao empregado sobre essa regra e, no caso de ocorrência, adverti-lo”, explica o advogado trabalhista Tulio Massoni, do Romar Massoni e Lobo Advogados. O especialista lembra que a gradação das penalidades tem sido um dos motivos observados pela Justiça do Trabalho nos processos relacionados ao tema.
“Em casos assim, que são considerados falta, mas não falta grave, o funcionário é advertido. Mas claro, depois pode ser demitido por justa causa. O mais importante de tudo é que a empresa deixe essa política interna clara aos funcionários”, observa a coordenadora da Área Trabalhista do escritório Granito, Boneli e Andery Advogados, Mirella Franco.
A prática do cyberloafing não está expressamente prevista na CLT. O que acontece na prática, segundo os advogados, é o funcionário ser desligado por ato de indisciplina ou de insubordinação, motivos previstos no rol de situações para demissões por justa causa. Por isso, é importante que os empregadores adotem uma política interna com regras de conduta exigidas aos colaboradores no ambiente de trabalho. Além disso, é necessário deixá-los ciente das normas para que futuras decisões não sejam contestadas ou até revertidas por “desconhecimento”.
Em outra ação, desta vez proferida pela 6ª Turma do TRT da 9ª Região, no Paraná, foi considerada legítima a proibição do uso do celular por parte do empregador. Segundo a decisão, esse tipo de norma de conduta “inclui-se no poder diretivo do empregador”.
O cyberloafing no dia a dia
Por mais que muitos casos ainda sejam relacionados ao uso excessivo de telefones celulares e sua proibição, o cyberloafing pode ser praticado através de outros aparelhos eletrônicos que diminuem o foco de um funcionário.
“O empregado pode simplesmente estar no computador fingindo que está trabalhando, mas na verdade está lendo sites de esportes, de turismo ou demais assuntos que em nada tem a ver com o trabalho”, exemplifica Massoni.
“Essa hiperconexão das pessoas com as redes sociais é uma causa social e obviamente acaba sendo desaguada no ambiente de trabalho, surgindo a necessidade de serem criadas regras”, conclui o advogado, que aponta as redes sociais como principais causadoras do fenômeno.
Para Mirella, outra razão para o cyberloafing voltar a ser discutido pode ter sido a pressão causada pelo trabalho em home office: “Quando as pessoas foram trabalhar em home office, as empresas que não estavam habituadas a esse tipo de sistema de contratação começaram a exigir muita produtividade e esse fenômeno acabou crescendo também como uma ‘fuga’. Aqueles funcionários que se sentiam cada vez mais pressionados, passaram a usar o celular como uma forma de fuga do trabalho, só que as coisas tomaram proporções muito grandes e começaram a afetar o desempenho no trabalho”.
“Hoje em dia as empresas estão muito mais preocupadas com produtividade do que horas trabalhadas. Então a partir do momento que se observa que um funcionário não traz resultados e não está performando como deveria, alguma coisa está errada”, completa a advogada.
O papel da empresa e do funcionário
Para os advogados, uma organização deve sempre adotar uma política interna de condutas no ambiente de trabalho, dar ciência aos colaboradores sobre as normas, aplicar as advertências de forma gradativa e, num último caso, optar pela demissão por justa causa.
Também é importante que os próprios gestores tenham sido informado de todas as regras específicas, não podendo se dar ao luxo de tolerar o uso de eletrônicos, o que pode se tornar um problema para a empresa no futuro.
É o caso de uma decisão proferida pelo TRT da 1ª Região, no Rio de Janeiro, em 2021, quando foi constado que os superiores de uma determinada empresa não cumpriam a norma geral de proibição de uso de telefone celular e considerou como “excessiva e desarrazoada” a demissão por justa causa de empregados que não cumpriram a regra em um episódio específico.
“Houve também provas de que tais regras eram usualmente desrespeitadas por todos os empregados (e não somente pelos autores), demonstrando que se tratava de uma praxe profissional comum, antiga e aceita pela empresa, que nunca aplicava punições por tais motivos e, inclusive, admitia que seu encarregado de confiança a descumprisse diante dos seus subordinados.”, disse a decisão.
Dadas todas as providências, é esperado que o trabalhador esteja inteirado das normas de conduta e, caso venha ser advertido, reveja sua postura e passe a seguir o regramento interno de sua empresa para não sofrer sanções mais duras, como é o caso de um desligamento por justa causa, tendo consequência a perda de uma série de direitos trabalhistas.
- Fonte: Jornal do Comércio
- Imagem: Freepik
- 10 de maio de 2022