Setor de tecnologia atrai mestres e doutores para iniciativa privada

Com aproximadamente 230 mil doutores no país, a taxa de desemprego na área de formação afeta os pesquisadores pós-graduados brasileiros. Entenda o papel do ecossistema de inovação neste cenário.

De acordo com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, 25% dos doutores brasileiros estão desempregados. A taxa é ainda maior dentre mestres: 35%.

Apesar de uma carreira acadêmica ser o mais desejado entre pós-graduados, a atuação desses profissionais vai além das instituições de ensino. Como por exemplo, o mercado de consultorias e a indústria de tecnologias de ponta. Neste sentido, o ecossistema de inovação desempenha alguns papéis: mestres e doutores abrem o próprio negócio com soluções relacionadas às suas áreas de conhecimento. Assim como as startups buscam ativamente por esses profissionais altamente qualificados, com objetivo de enriquecer o desenvolvimento de suas tecnologias e/ou serviços.

Segundo Alexandre Souza, gestor do Startup SC — iniciativa do Sebrae de Santa Catarina para o fomento do empreendedorismo no estado, esse contexto também tem correlação com a dinâmica de desenvolvimento de tecnologias no exterior.

“Por exemplo, quase 90% das inovações criadas por empresas nos Estados Unidos vieram de investimentos próprios com a participação de pesquisadores no desenvolvimento das tecnologias”, afirma. Souza também ressalta que a compra de startups é vista como uma alternativa para empresas que desejam absorver um produto ou serviço de forma mais acelerada.

“Nesse contexto, as startups que desenvolvem soluções para outras empresas preenchem a lacuna de desenvolvimento próprio de outra companhia. Porque, ao ter o serviço validado pelo mercado, o negócio pode ser adquirido por uma empresa maior. Com isso, o desenvolvimento de um produto altamente tecnológico e amparado por profissionais pós-graduados é transferido para startups”, explica Souza. Contudo, essa mudança no mercado é gradual.

De acordo com a pesquisa “100 Super Founders” publicada em 2019 pelo Distrito Dataminer, 100% dos fundadores entrevistados possuem graduação completa. Destes, 57% também possuem pós-graduação, mas a participação de mestres e doutores no ecossistema empreendedor ainda é pouco expressiva.

Startups fundadas por doutores

Enquanto 42,9% dos fundadores de startups catarinenses possuem pós-graduação, apenas 3,6% são doutores, segundo dados do “Tech Report 2019” feito sobre Santa Catarina pelo Distrito Dataminer. Presente nesta estatística está o fundador e Diretor de Produto e Tecnologia da UpFlux, Cleiton dos Santos. Doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ele utilizou a experiência em seu doutorado para fundar a empresa pioneira em mineração de processos no Brasil.

“O que fazemos é minerar processos para mapear, monitorar e melhorar ações que sustentam a operação das organizações na área da saúde”, explica o empreendedor. Ele conta que os estudos desenvolvidos na Universidade foram importantes não só para o pontapé inicial do empreendimento, mas também para a consolidação do negócio. “A área da saúde não é naturalmente aberta às novidades tecnológicas. Por isso, quando apresentamos nossa solução aos gestores dessas instituições e mostramos que o que fazemos é fruto de estudos na Universidade, maior valor é percebido para a aplicação dessa inovação em seus hospitais, clínicas ou operadoras de saúde. Os estudos desenvolvidos evidenciaram que a mineração de processos traz grandes benefícios às instituições de Saúde”, finaliza dos Santos.

Na contramão do desemprego entre mestres e doutores, setor tecnológico atrai profissionais altamente qualificados

Entre mestres e doutores há uma taxa combinada de 60% de pós-graduados que não possuem emprego formal em suas respectivas áreas de conhecimento. Gradualmente, o setor tecnológico colabora para a mudança desse índice. Um exemplo é o quadro de colaboradores da ESSS – Engineering Simulation and Scientific Software que em âmbito global, possui mais de 50% dos colaboradores com pós-graduação em sua área de atuação e, destes, 35% têm mestrado/doutorado (stricto sensu). A empresa possui foco em simulação computacional e nasceu como spin-off do laboratório de Engenharia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis. Atualmente, a empresa conta com mais de 230 colaboradores e está presente em 10 países: Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru, México, Estados Unidos, Portugal, Espanha e França.

“A ESSS participa de projetos de engenharia altamente complexos e que envolvem tecnologia de ponta, muitas vezes semelhantes às tecnologias desenvolvidas nos centros de pesquisa das grandes universidades. Dessa forma, a participação de profissionais provenientes do meio acadêmico, depois de passarem pelos cursos de mestrado e doutorado, facilita a sua inserção em nossos projetos, encurtando o tempo necessário até que o nível máximo de produtividade seja alcançado. Além da vantagem técnica da vivência desses profissionais com pesquisa e inovação tecnológica, ainda conseguimos aumentar a eficiência dos nossos processos e agregar um maior nível de segurança aos nossos clientes”, comenta Karolline Ropelato, Gerente Técnica Latam & Iberia na ESSS.

Aplicação de conhecimento técnico-científico no ecossistema de inovação

Para Frederico Perillo o título de mestre em Energia para a Sustentabilidade, pela Universidade de Coimbra — Portugal, é fundamental para o trabalho que exerce hoje. Ele é coordenador de Produtos da Way2, especializada em medição e gerenciamento de dados de energia para empresas, usinas e distribuidoras, e optou pela área de estudo por abranger os mais diversos temas da cadeia de energia, além dos impactos na sociedade e no ambiente. “É um tema generalista, que dá uma visão do todo, o que é fundamental para o mercado. Ao mesmo tempo, foca no segmento de energia que é a minha área de formação e paixão”. Segundo ele, a abordagem que não foca em processos técnicos, foi fundamental para construir a narrativa do todo. “Consigo visualizar desde o problema do cliente até a comunicação da implementação da solução de forma mais fácil, e isso eu atribuo à minha formação”.

Frederico acredita que universidade e mercado se completam. “A academia te ensina a pensar, mostra pontos de vista, te dá insumos para caminhar sozinho. E o mercado pede isso. Me preocupa um pouco se a universidade vai conseguir acompanhar a forma como as empresas estão crescendo e evoluindo. Para isso, as trocas são cada vez mais importantes. Quando decidi cursar o mestrado, um dos objetivos era criar um senso crítico maior e me desafiar. Sempre me defini como uma pessoa prática, do mercado. E o mestrado foi um desafio, justamente por ser menos dinâmico, embora muito complexo”.

 

  • Fonte: SEGS.com.br
  • Imagem: Pexels.com
  • 30 de março de 2022