Estamos vivendo tempos estranhos e difíceis. Muito difíceis. Não há solução simples, certeira e mágica para as consequências da pandemia do COVID19. Além do quadro epidemiológico, os aspectos jurídicos e econômicos são importantes, e é sobre alguns deles que comento aqui.
O que podemos e devemos fazer como sociedade é estudar, refletir, sugerir e implementar medidas de forma rápida. Precisamos, ainda, estar dispostos a rever tais medidas em curto espaço de tempo.
Existem, no entanto, medidas esperadas há muito tempo. Que não competem com a invenção da roda. Nem com a da lâmpada. Pelo contrário, representam direitos das próprias pessoas. Um novo tratamento da compensação tributária é uma dessas medidas. A legislação tributária exige autorização legal para que a compensação tributária seja permitida. Em muitos casos essa lei não existe, ou, o que é pior, quando existente, veda a compensação. Quatro exemplos são emblemáticos:
(1) Impossibilidade de transferência de créditos federais. A empresa que acumula créditos de COFINS pela natureza de seu negócio (exportação, por exemplo), não pode transferir esses créditos para outras empresas, para que elas possam compensar com seus débitos;
(2) Não se pode compensar créditos tributários da própria empresa com o pagamento de tributos na importação;
(3) Não se pode quitar tributos com precatórios. Veja que, nesses casos, a Justiça já reconheceu que o contribuinte é credor do Estado, mas ele não pode utilizar esse “crédito” (precatório) para quitar seus tributos;
(4) Restrições irrazoáveis para a transferência de créditos de ICMS são muito comuns em todos os estados da Federação.
Se permitidas, seriam medidas extremamente positivas pois trazem maior liquidez para a economia (pela circulação dos créditos, por exemplo), permitindo que várias empresas possam fazer frente a suas obrigações sem recorrer à ajuda governamental e – por consequência – liberando essa ajuda para quem mais precisa.
Não se trata aqui de pleito oportunista ou descontextualizado. É obrigação moral do Estado facilitar a compensação tributária. É dever que decorre diretamente do princípio da moralidade ao qual a Administração Pública deve obediência. É dever que decorre do estado democrático de direito e da segurança jurídica.
O contribuinte não está pedindo esmola ao Poder Público. Nem benefícios espúrios ou medidas com conteúdo ideológico enviesado. O contribuinte só está buscando os meios necessários para para dispor sobre o que já é seu de direito.
Especialmente no momento em que estamos vivendo, negar-lhe esse pleito extrapola a questão jurídica da moralidade estatal e adentra à pura e simples crueldade.
Fonte: Estadão – Maurício Maioli, Sócio Head de Tributário do Feijó Lopes Advogados. Advogado. Coordenador e Professor da Especialização de Direito e Gestão Tributária da Unisinos/RS. Professor de Direito Tributário e Mestre em Direito pela UFRGS
03 de abril de 2020